Introdução
Julgamentos de casos de infrações à política de apostas do UFC[1] foram tema dos principais canais de notícias do mundo da luta na última semana.
Juntando-se a Derrick Minner, suspenso por 29 (vinte e nove) meses após identificado o descumprimento à mencionada política de apostas em luta no ano de 2022, foi a vez de Jeff Molina, ex-atleta do UFC.
Molina foi suspenso pela Comissão Atlética do estado de Nevada por 36 (trinta e seis meses) por apostar quantia significante na derrota de Minner.
Ambos eram atletas treinados por James Krause, que há anos é investigado por envolvimento com esquema ilegal de apostas e é proibido de receber atletas com contrato vigente com o UFC, bem como de figurar em seus corners por tempo indeterminado – uma espécie de banimento.
A política de apostas no UFC
Em luta ocorrida em novembro de 2022 no UFC, Minner escondeu lesão em seu joelho ocorrida antes de sua luta contra Shaylan Nuerdanbieke e foi facilmente finalizado pelo adversário no primeiro round.
A luta no peso-pena foi sinalizada pela US Integrity[2] como alvo de apostas suspeitas, desencadeando uma investigação sobre um esquema de apostas ilegais envolvendo os lutadores e o treinador.
Vale ressaltar que as suspensões dos atletas retroagem até a data da luta manipulada, ou seja, 05/11/2022, de modo que ambos os atletas ainda terão alguns meses de gancho.
O episódio acabou fazendo com que o UFC instituísse regras para impedir que seus lutadores e as pessoas próximas a eles apostassem nas lutas da promoção, disponibilizando-as por meio de um memorando da empresa para os lutadores e seus managers, nos seguintes termos[3]:
Os atletas estão proibidos de fazer qualquer aposta em si mesmos. Na maioria dos estados com apostas esportivas legalizadas, as apostas feitas por um atleta do UFC, diretamente ou por meio de terceiros, em qualquer luta do UFC são ilegais e podem resultar em sanção criminal. Os atletas também devem estar cientes de que, na maioria dos estados, essas mesmas proibições se aplicam a alguns ou a todos:
- parentes que moram na mesma casa que um atleta;
- treinadores, gerentes, manipuladores, preparadores esportivos, profissionais e equipes médicas do atleta;
- qualquer outra pessoa com acesso a informações não públicas sobre os participantes de qualquer luta do UFC;
Qualquer atleta que tome conhecimento ou tenha conhecimento de qualquer violação de apostas deve notificar imediatamente o UFC sobre qualquer incidente, de acordo com esta política de conduta do atleta do UFC.
Toda esta triste situação trouxe à tona discussões sobre as apostas no MMA e a necessidade de regulamentações nacionais mais rígidas para evitar que casos semelhantes se repitam.
A regulamentação das apostas esportivas no MMA no Brasil
No Brasil, consoante o art. 2, VI, da Portaria MESP n.º 125, de 30/12/2024[4], o MMA, como modalidade esportiva, passou a ser objeto de apostas, país que, até o momento da regulamentação, era indicado como o país com mais casos em números absolutos de suspeição de manipulações[5].
No Brasil, a recente Lei 14.790/2023 veio para regulamentar as apostas de quota fixa no país, aquelas em que o apostador sabe, antes do resultado, a taxa de retorno, o que envolve eventos esportivos de luta.
A nova lei não deixa dúvidas, como previsto no art. 26, V, quem são os impedidos de apostas, incluindo-se: o dirigente esportivo; o técnico; o treinador; o integrante de comissão técnica; o árbitro e membros da equipe de arbitragem; o agente/intermediário de atleta e, por fim, os atletas.
Ato contínuo, o art. 41, prevê as penalidades aos atletas cabíveis em caso de descumprimento, que vão da aplicação de advertência até suspensão parcial ou total do exercício das atividades, pelo prazo de 180 (cento e oitenta) dias.
Na Lei 14.597/2024 (Lei Geral do Esporte) há, inclusive, punições ainda mais severas, como àquela prevista no art. 41 da Lei 14.790/2023:
Art. 200. Fraudar, por qualquer meio, ou contribuir para que se fraude, de qualquer forma, o resultado de competição esportiva ou evento a ela associado: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.
Destarte, a legislação nacional já prevê meios para punir as manipulações no contexto do esporte de combate.
CONCLUSÃO
Feitas tais considerações, pode-se afirmar que a popularidade de qualquer esporte se baseia (I) na qualidade do entretenimento, (II) no equilíbrio competitivo e (III) na incerteza dos resultados.
Sem que a integridade seja protegida, a incerteza dos resultados não poderá mais ser garantida. Consequentemente, os fãs deixariam de acompanhar o esporte, o que afetaria, assim, o consumo de produtos disponíveis (bilheteria, camisas, pay-per-views, mídias sociais etc.), uma verdadeira diminuição de popularidade[6].
Mesmo “lutas combinadas” (como as do World Wrestling Entertainment, ou ‘telecatch’) são pautadas em um conjunto de regras que garantem a isonomia da disputa, dentre outros princípios[7].
Qualquer esporte sem garantia de integridade será incapaz de se sustentar. Portanto, é preciso que as organizações esportivas adotem programas eficazes de integridade e internalizem políticas e códigos de prevenção e enfrentamento de manipulação de competições.
Crédito imagem: Getty Images
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* Master in International Sports Law (Instituto Superior de Derecho y Economía – ISDE). Advogado, professor, palestrante e autor e organizador de livros jurídicos. É membro da Ordem do Mérito Judiciário do Trabalho do Tribunal Superior do Trabalho no Grau Oficial, diretor jurídico do CNB (Conselho Nacional de Boxe), diretor do Departamento Jurídico da CBKB (Confederação Brasileira de Kickboxing), diretor do Departamento Jurídico da WAKO Panam (World Association of Kickboxing Comissions Región Panamericana) e da CBMMAD (Confederação Brasileira de MMA Desportivo). É membro da Comissão Jovem da Academia Nacional de Direito Desportivo (ANDD-Lab), membro do núcleo de estudos “O Trabalho além do Direito do Trabalho: Dimensões da Clandestinidade Jurídico-Laboral” (NTADT), da Faculdade de Direito da USP e colunista do website “Lei em Campo” (Coluna “Luta e Desporto”). Lattes: http://lattes.cnpq.br/6993275053416440. ORCID: https://orcid.org/0009-0000-9916-685X. elthon@hotmail.com. elthon@hotmail.com.
** Advogado no escritório Garcez e Associados. Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC SP) e Mestrando em Direito Desportivo na mesma instituição.
[1] https://leiemcampo.com.br/apostas-corrupcao-esportiva-e-o-novo-codigo-de-conduta-dos-atletas-do-ufc/
[2] https://leiemcampo.com.br/o-novo-mecanismo-de-combate-a-corrupcao-esportiva-no-ufc/
[3] https://www.conjur.com.br/2024-mar-02/regulamentacao-de-apostas-nos-esportes-de-combate/
[4] https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-mesp-n-125-de-30-de-dezembro-de-2024-605034388
[5] https://ibdd.com.br/apostas-esportivas-x-manipulacao-de-resultados-reflexos-no-direito-do-trabalho/?v=19d3326f3137
[6] HORTA, Ricardo Garcia. BETS – Uma Contribuição Sobre os Desafios e Aspectos da Cooperação Entre Estados e o Movimento Esportivo no Combate à Manipulação de Resultados e Seus Reflexos Jusdesportivos no Brasil. 2024. 117 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. p. 42.
[7] Nesse sentido, é possível afirmar que, em entretenimentos esportivos desse tipo, pouco importa de verdade o resultado, afinal todos sabem que os atores treinam e combinam para despertar o máximo de atenção e engajamento dos espectadores, de modo que o resultado não importa de fato para alguns espectadores, mas sim a vontade de pertencer àquele momento da história do esporte, talvez por alguma razão pessoal ou pela mera liberação de dopamina.