A (não) obrigatoriedade de retenção do IR sobre prêmios de apostas de quota fixa pelas operadoras: análise jurídica atual

Artigo de opinião.- Para além dos muitos amigos e clientes que tive a oportunidade de reencontrar durante a última BiS SiGMA Americas – São Paulo, pude retomar a discussão de um tema essencial para
o presente e o futuro do setor de apostas esportivas no Brasil: a (não) obrigatoriedade de retenção do Imposto de Renda sobre os prêmios pagos em apostas de quota fixa pelas operadoras.

A legislação brasileira, especialmente após a promulgação da Lei nº 14.790/2023 e a publicação da Solução de Consulta COSIT nº 2/2025, trouxe avanços importantes, mas também gerou dúvidas legítimas quanto à correta aplicação das regras fiscais sobre os ganhos dos apostadores.

Neste ambiente de intenso debate regulatório, com tantos olhares voltados para o crescimento responsável da indústria, é fundamental reforçar interpretações jurídicas claras e alinhadas à normativa vigente.

Com base nas diversas ideias trocadas com colegas juristas brasileiros sobre as mais recentes manifestações da Receita Federal e pela experiência direta que temos acumulado com operadores e demais stakeholders do setor, este artigo se propõe a esclarecer uma questão que impacta diretamente a operação, a conformidade e a previsibilidade jurídica de todos os envolvidos.

O novo regime jurídico: o que diz a Lei nº 14.790/2023

A Lei nº 14.790/2023, que estabelece o regime jurídico das apostas de quota fixa no Brasil, foi clara ao definir, em seu artigo 31, a incidência do IRPF sobre os prêmios líquidos auferidos por pessoas físicas, à alíquota de 15%. Importa destacar que o §1º define “prêmio líquido” como o resultado positivo apurado anualmente, após a dedução das perdas nas apostas da mesma natureza.

A redação atual do dispositivo, após a derrubada dos vetos presidenciais pelo Congresso Nacional, é inequívoca ao estabelecer que:

  • A apuração do imposto é anual;
  • A responsabilidade pelo pagamento é do próprio apostador;
  • Não há qualquer menção ou imposição de retenção na fonte por parte das operadoras.
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A Solução de Consulta COSIT nº 2/2025: um marco clarificador

A Solução de Consulta COSIT nº 2, publicada em janeiro de 2025, veio esclarecer de forma definitiva (e vinculante para a Receita Federal) a interpretação do artigo 31, reforçando que:

“… não haverá antecipação do IRPF mediante recolhimento mensal obrigatório (carnê-leão) ou retenção na fonte, cabendo ao próprio contribuinte realizar a apuração anual do imposto e pagá-lo até o último dia útil do mês subsequente ao da apuração.”

Essa interpretação afasta, de forma inequívoca, qualquer obrigação de retenção por parte da operadora, que, portanto, não se qualifica como agente de retenção nessa sistemática fiscal.

A confusão temporária: instruções normativas anteriores

É importante recordar que, antes da rejeição dos vetos, a Receita Federal havia promovido alterações à Instrução Normativa RFB nº 1500/2014, impondo obrigações de retenção às operadoras (art. 19, inciso XXIV). Contudo, tais disposições foram elaboradas em um contexto legislativo incompleto, hoje superado pela restauração plena do artigo 31 da Lei nº 14.790/2023.

A própria Receita reconheceu a necessidade de revisão dessas normas infralegais, o que reforça ainda mais o entendimento de que as operadoras não devem proceder à retenção do imposto.

Conclusão: segurança jurídica e conformidade

Diante do exposto, e salvo melhor juízo, entendemos que, à luz da legislação vigente e da interpretação oficial da Receita Federal, não recai sobre as operadoras qualquer dever de retenção do Imposto de Renda sobre os prêmios líquidos pagos aos apostadores.

Trata-se de uma conclusão que não apenas assegura o cumprimento da legislação vigente, como também evita a desvalorização dos prêmios pagos — caso houvesse retenção — e protege as operadoras de potenciais riscos jurídicos decorrentes de interpretações ultrapassadas ou descontextualizadas.

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O setor de apostas vive uma fase de intensa transformação regulatória e fiscal. Por isso, é essencial que as interpretações adotadas estejam alinhadas não apenas à letra da lei, mas também à sua leitura oficial e atualizada — como é o caso da Solução de Consulta COSIT nº 2/2025. A segurança jurídica de todos os stakeholders do ecossistema depende disso.

Fonte: FocusGN

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