Seis meses após o início da vigência da regulamentação das apostas esportivas, os primeiros números começam a sair. Foram R$ 3 bilhões de arrecadação apenas entre janeiro e maio, acima até das expectativas de operadores. Os números são positivos, mas muitas dúvidas ainda pairam no ar: o aumento da alíquota de impostos de 12% para 18% será aprovado? A restrição de publicidade do setor irá para frente?
Para entender um pouco mais sobre o impacto que uma possível restrição traria ao mercado e também sobre o papel do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR), o SBC Notícias Brasil conversou com a Direção do CONAR.
SBC Notícias Brasil: O Anexo X do CONAR, completou em dezembro de 2024, um ano de existência. Qual a importância deste documento para o setor?
CONAR: A autorregulamentação foi estimulada pelas autoridades públicas, explicitamente citada por elas quando das discussões em torno da legislação de apostas.
A partir deste estímulo, o CONAR criou um Grupo de Trabalho em julho de 2023, do qual participaram, inclusive, duas das entidades representativas das empresas de apostas esportivas. Tiramos proveito na produção do texto de nossa ampla interlocução internacional, principalmente no Conselho Internacional para Autorregulamentação Publicitária, ICAS na sigla em inglês, entidade da qual somos membro fundador.
No final de 2023, o texto do Anexo já estava pronto e aprovado pelo Conselho Superior do CONAR, entrando em vigor pleno, já considerado o prazo de adaptação dos anunciantes, em janeiro de 2024.
A partir daí, tivemos regras para o estabelecimento de um ambiente de publicidade regular e responsável para o segmento, com integral atenção à necessidade de proteger crianças, adolescentes e outras pessoas em situação de vulnerabilidade.
Passamos, então, a atuar em duas frentes: as representações, abertas pelo CONAR e levadas à deliberação do nosso Conselho de Ética, e também a ação do nosso Núcleo Preventivo.
No primeiro caso, somamos até meados de junho perto de oitenta representações abertas, a maioria delas já julgadas pelo Conselho de Ética, onde se garante pleno direito de defesa às partes, e com decisões divulgadas em nosso site.
Em paralelo, nosso Núcleo Preventivo emite notificações a anunciantes, agências e influenciadores divulgando publicidade de apostas. Usamos deste recurso quando identificamos inconformidades elementares nos anúncios, como falta de frases de advertência e de restrição etária, a presença de promessas de ganho certo e ofertas publicitárias de vantagens prévias ou bônus de entrada.
O Núcleo Preventivo tem se beneficiado do uso pelo CONAR, a partir do segundo semestre de 2024, de ferramenta tecnológica, com metodologia desenvolvida internamente e apoiada em nossa interlocução internacional. A ferramenta permite a identificação semiautomatizada de anúncios potencialmente problemáticos, facilitando a posterior revisão humana.
As iniciativas do CONAR na publicidade de apostas foram um dos fatores que determinaram a nossa premiação com o Prêmio de Reconhecimento Especial do ICAS, reconhecendo nossa liderança no avanço da publicidade responsável no Brasil, no desenvolvimento de diretrizes para publicidade do gênero, na colaboração com as autoridades e com a indústria e com o lançamento da ferramenta tecnológica. Fomos distinguidos também por nossas contribuições ao próprio Icas e apoio a outras entidades de autorregulamentação.
SBC Notícias Brasil: SBC Notícias Brasil: Desde a criação do Anexo X, vocês viram uma mudança de comportamento por parte do setor, no que tange a parte publicitária? Vocês observaram que, com delimitações mais claras por parte do governo, o setor vêm adotando uma postura mais responsável?
CONAR: Temos considerável volume de jurisprudência disponível em nosso site. Com a plena vigência da legislação, a partir de janeiro deste ano, há mudança de abordagem em relação a vários aspectos. Tornou-se, por exemplo, mais simples distinguir as empresas regulares do segmento.
Certamente há espaço para melhorias. Para tanto, e como já estava previsto, o GT de Apostas retomou suas reuniões em abril, para acompanhar a implementação do Anexo “X”, com a avaliação de sua eficácia, necessidade de atualização, orientação e demais estratégias de administração do quadro normativo.
O segmento conhece os requisitos de atuação e a necessidade de adequação a todos os princípios do jogo responsável e de proteção ao consumidor, entendendo que o valor maior da comunicação publicitária é a credibilidade conquistada, por meio do cumprimento da legislação e da regulamentação, assim como pela irrestrita adoção dos princípios de publicidade responsável expressos no Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária.
SBC Notícias Brasil: Como o CONAR está trabalhando junto ao regulador para responsabilizar, de maneira efetiva, as empresas que estão infringindo regras no meio publicitário? Que medidas vêm sendo tomadas para combater isso?
CONAR: A pedido da autoridade pública, a Secretaria de Prêmios e Apostas é mantida atualizada das tramitações e análises realizadas pelo CONAR. Há permanente interlocução com a autoridade e discussões sobre ampliação de nossa parceria.
SBC Notícias Brasil: Qual é o grande desafio do CONAR dentro do universo de apostas esportivas e jogos on-line? Como o CONAR pode auxiliar na criação de um ambiente publicitário mais sustentável nas redes sociais?
CONAR: Já percorremos um longo caminho: temos o Anexo, a adesão a ele por parte das empresas do segmento, uma ferramenta digital de monitoria, a difusão das nossas normas junto a um grande número de influenciadores e um acúmulo de experiências que alimenta o Grupo de Trabalho do segmento, que faz no momento um balanço da aplicação do Anexo X e também discute aperfeiçoamentos nas normas de autorregulamentação.
Identificamos ainda a importância de campanhas de divulgação das regras éticas junto a influenciadores, dado o número enorme dos que atuam nas redes sociais, algo no qual estamos trabalhando junto com nossa agência voluntária de publicidade. Contamos nessa área com a ajuda das plataformas e a recente adesão oficial do Google ao CONAR é um passo importante nessa direção.
SBC Notícias Brasil: Qual o caminho para disciplinar e criar uma cultura mais responsável por parte de influenciadores?
CONAR: A chegada dos influenciadores e plataformas de redes sociais é importante e democrática, abrindo oportunidades para novos negócios e inclusão da cauda longa digital na comunicação publicitária digital.
São atores muito bem-vindos, sendo importante o conhecimento e adesão aos princípios éticos, em especial quando divulgam segmentos anunciantes com restrições. Como estamos falando de um universo realmente muito grande, o desafio maior é chegar aos influenciadores com número menor de seguidores, de atuação local. Estamos planejando campanhas específicas para este fim, contando com ajuda das plataformas, que serão decisivas para atingi-los.
SBC Notícias Brasil: É possível disciplinar as redes sociais da mesma forma que a mídia tradicional?
CONAR: O CONAR cuida apenas da publicidade. Falando da publicidade em redes sociais, sabemos que há grande discussão em curso perante diversos poderes e na opinião pública, sendo este um desafio global.
As diretrizes e atividades do CONAR vêm acompanhando as estratégias internacionais de tratamento da publicidade em redes sociais. A disciplina deste ambiente passa por uma combinação de medidas:
- a configuração de regras projetadas para a realidade da comunicação nas redes sociais;
- a educação dos influenciadores sobre as regras éticas e a importância de segui-las;
- a capacidade de absorver o volume que é característico da modalidade, especialmente por meio de uso de ferramenta tecnológica e acompanhamento das divulgações; e
- uma estrutura de análise dos casos em desconformidade e medidas para remediar tais irregularidades.
Essas iniciativas podem ser somadas a outras em constante atualização, acompanhando a evolução dos formatos.
SBC Notícias Brasil: Assim como os setores de cigarro e álcool – também altamente regulamentados -, o setor de apostas esportivas enfrenta uma concorrência muito forte do mercado ilegal. A restrição da publicidade de empresas regulamentadas pode dar mais espaço ao mercado paralelo?
CONAR: Falamos de um segmento regulado, sujeito a restrições e com impacto direto junto aos consumidores. A publicidade tem o papel de informar sobre tais impactos para empoderar e proteger os consumidores.
A preocupação maior é se a forma e ausência de mecanismos de aplicação das regras instituídas podem levar a um aumento do mercado ilegal.
SBC Notícias Brasil: Qual a grande diferença do setor de apostas esportivas para outros setores, no que diz respeito à publicidade?
CONAR: Todos os segmentos que possuem restrições e impactos de consumo estão submetidos a um regime de maior obrigação e responsabilidade em relação à sua publicidade como previsto, inclusive, na Constituição, que prevê a liberdade de expressão comercial, com necessidade de informação sobre riscos e impactos ao consumidor, além de proteção a grupos vulneráveis, em especial crianças e adolescentes.
Uma particularidade de apostas que deve ser levada em conta é o fato de seu consumo ser integralmente digital na modalidade aprovada.
SBC Notícias Brasil: O que a associação com o Google significa para o CONAR? Como essa parceria pode ajudar na autorregulação do mercado de apostas esportivas?
CONAR: É um marco importante para a autorregulamentação publicitária brasileira, especialmente no ano em que o CONAR celebra 45 anos de fundação. O ambiente digital transformou profundamente a comunicação publicitária, exigindo uma constante atualização de práticas e ferramentas o que, no CONAR, já é uma realidade há décadas, com exame frequente de publicidade digital.
A entrada do Google reforça essa evolução e fortalece o papel do CONAR nesse novo cenário, ampliando a representatividade da autorregulamentação, além de certamente facilitar o desenvolvimento de ações conjuntas.
Fonte: SBC