O Brasil não é para amadores: o guia da Vixio para o mercado regulamentado

No meio empresarial brasileiro, o nome de uma árvore frutífera frequentemente associada ao Brasil – a jabuticabeira – é usado para se referir a políticas ou exigências regulatórias únicas que podem tornar o país um ambiente desafiador para se operar, especialmente para estrangeiros.

Com base nos eventos dos últimos 12 meses, o termo “jabuticaba” parece especialmente adequado ao mercado regulamentado de apostas online do Brasil, que será oficialmente lançado em 1º de janeiro de 2025.

Não é difícil entender por que o mercado brasileiro está sendo tão aguardado.

A consultoria Vixio prevê que a receita bruta total de apostas esportivas online e jogos de cassino ultrapassará US$ 2,9 bilhões já no primeiro ano, posicionando o Brasil como um dos dez maiores mercados regulamentados do mundo. A receita deve alcançar US$ 6,3 bilhões até 2028, o que pode tornar o Brasil o segundo maior mercado global, a menos que Nova York legalize e implemente a indústria de jogos e apostas antes disso.

Ainda assim, a implantação tranquila do mercado de apostas online está longe de ser garantida. O mercado brasileiro apresenta diversos riscos políticos e desafios de conformidade que operadores, fornecedores e outros participantes da indústria precisarão monitorar atentamente nos próximos meses.

Risco de reversão regulamentar

Muitos mercados regulamentados na Europa e em outras regiões seguiram um padrão semelhante na última década: um período inicial de liberalização seguido por restrições mais rígidas à publicidade e ao jogo responsável, além de aumento de impostos, à medida que legisladores e reguladores respondem a preocupações públicas e da mídia.

No Brasil, no entanto, os riscos de uma reação legislativa e de uma revisão regulatória já se intensificaram ao longo de 2024 – mesmo antes do lançamento do mercado licenciado, ainda segundo relatório da Vixio.

Leia também:  “UpBet está pronta para o mercado regulado e vê como positivas ações de combate ao jogo ilegal”

Durante o período de transição, alguns formuladores de políticas começaram a recuar, influenciados por relatórios recentes do Banco Central do Brasil, de outras instituições financeiras e de grupos varejistas, que incluíam cifras chamativas – embora contestáveis – sobre os valores gastos por brasileiros em sites ainda não regulamentados.

Em setembro, a nova autoridade reguladora de apostas do Brasil, a SPA, alterou abruptamente os termos do processo de transição, efetivamente proibindo operadores que ainda não haviam solicitado uma licença. O presidente Lula posteriormente reuniu diversos ministérios e determinou a revisão das regulamentações aprovadas entre abril e agosto, antes de prometer proibir apostas online caso o regime regulatório se mostrasse ineficaz.

Além disso, restrições relacionadas a bônus e pagamentos tiveram seu cronograma alterado, com agências governamentais e figuras do Judiciário intervindo em áreas específicas fora da alçada direta da SPA.

As apostas online também voltaram ao foco do Senado brasileiro, que em 2023 foi a casa mais relutante do Congresso em apoiar a abertura total do mercado para apostas esportivas e jogos de cassino. Em novembro, senadores criaram uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o setor de apostas online no Brasil, com audiências públicas previstas tanto antes quanto após o lançamento do mercado regulamentado.

A CPI deve apresentar seu relatório em até 130 dias, podendo propor novas medidas sobre publicidade, jogo responsável e o uso de inteligência artificial pelas plataformas de apostas. Paralelamente, outra CPI já investiga denúncias de manipulação de resultados no futebol brasileiro, o que pode levar à restrição de certos tipos de apostas.

O Senado também está avaliando um pacote de reforma tributária já aprovado pela Câmara dos Deputados, que inclui a aplicação de um imposto adicional sobre apostas de quota fixa, classificadas como prejudiciais à saúde dos brasileiros.

Leia também:  STF deve discutir ação sobre legalidade das apostas até abril

Desafios jurídicos

Além dos riscos legislativos, o Supremo Tribunal Federal (STF) deve avaliar três ações legais contra as leis federais que fundamentam o novo regime de licenciamento. As ações foram movidas por uma associação de varejo, um partido político e pelo procurador-geral da República.

Todas alegam que a lei promulgada em dezembro de 2023 viola garantias constitucionais relacionadas à saúde pública, ordem econômica e livre concorrência. Embora o pior cenário tenha sido evitado em novembro – quando o juiz responsável pelas ações decidiu não suspender imediatamente a implementação do regime de licenciamento –, ele ordenou novas restrições para impedir o uso de recursos de assistência social em apostas. As três ações serão julgadas em 2025.

Outros casos importantes estão pendentes no STF, incluindo uma disputa entre o governo federal e a loteria estadual do Rio de Janeiro, que permite que operadores licenciados aceitem apostas de outros estados e até internacionalmente. Caso o Rio vença, isso pode enfraquecer o regime federal, oferecendo uma alternativa com taxas iniciais e impostos mais baixos.

Complexidades de conformidade

Além dos fatores externos, a Vixio analisa que o próprio regime regulatório apresenta desafios únicos de conformidade – a verdadeira jabuticaba –, com regras específicas sobre reconhecimento facial, pagamento de prêmios e exibição de tabelas de pagamento.

Os operadores que estiverem prontos para 1º de janeiro terão investido significativamente para atender às exigências de conformidade e pagar uma taxa inicial de licenciamento de R$ 30 milhões, antes mesmo de investir em marketing e aquisição de clientes.

A eficácia do governo em barrar concorrentes sem licença será um ponto crítico. A SPA e a Anatel já bloquearam mais de 5.000 sites desde outubro, mas a tarefa foi comparada a “enxugar gelo”. Muitos acreditam que a estratégia mais eficaz será cortar o acesso de operadores não regulamentados ao sistema de pagamentos instantâneos Pix, controlado pelo Banco Central.

Leia também:  André Mendonça rejeita embargos de declaração da LOTERJ

Com tantas incertezas jurídicas e políticas, o Brasil, que já é um dos focos principais da indústria global de apostas online, continuará no centro das atenções em 2025. Como dizem os brasileiros: “O Brasil não é para amadores”.

Fonte: SBC

Compartilhe: